Para Pedro,meu leão.

Postado por Rhaiza Oliveira , segunda-feira, 24 de setembro de 2012 19:18


-- Não deveria ser assim, sabe? Não pra gente...
Ele me dizia na mesa suja do bar perto da faculdade onde a gente sempre reclama. Enquanto fumamos cigarros diferentes e gostamos de músicas diferentes, a dor é a mesma.
Eu, taurina de ascendente em virgem. Ele, leonino com ascendente em virgem. Dois sem sorte. Incríveis. Podíamos falar horas de filmes, músicas, sonhos, decepções... Cuidadosos, carinhosos, importosos, se é que isso existe.
-- Não sei qual o problema, juro... Parece que a gente faz tudo certo, mas algo sempre estraga...
-- É essa mistura estranha de Carrie, Charlotte e Samantha, sabe? Uma bosta.
Eu rio. Apesar da comparação meio high school, é bem verdade. Temos coração promíscuo. Agarramos-nos em tão falsas esperanças. Não nos prometem nada e acreditamos na menor das expectativas. Se a gente pudesse pelo menos esquecer os toques, os beijos, os karmas eternos...
Peço suas mãos e começo a mexer nos pelos do seu braço. Calmamente, só analisando o porquê de tanto desastre assim.
-- A gente devia parar com essas Carries e Charlottes, por favor.
-- Siiiiiim, vamo? Por favoooor? Ele me diz com a voz doce e aguda de menino esperançoso.
-- A gente não pode, Pedro, você sabe, a gente tenta e não consegue.
-- Não sei por que sugeri isso, desculpa.
A gente ri, toma outro gole de cerveja e continua a reclamar da falta de sorte. O assunto muda e a gente conversa sobre a festa do final de semana. É, aquele restinho de esperança, sabe?
Às vezes eu me pego pensando no quanto sou grata. De todos os homens que já tiveram alguma significância pra mim, o leonino supera tudo. Apesar dos gostos diferentes, é incrível como sou grata por ele. O carinho é tão grande que às vezes nem me cabe no peito. Grata pelo empréstimo da casa na sexta, por tentar me proteger de ver o beijo sábado. Por ser sempre tão pai,amigo,irmão.
Amamos com toda molécula do corpo. Intensos demais, esperançosos demais, perdedores demais. Mandamos mensagens inapropriadas de madrugada, ligamos bêbados e chorando. E a esperança de compreensão não acaba. Isso é melhor que qualquer outro tipo de coisas em comum. Se você não existisse, a loucura, já em doses tão cavalares, expandiria pelo mundo como doença.
Agora sinto raiva por esse texto estar tão pré-adolescente. Mas é bem nossa cara. Escrever nome em caderno pra depois apagar. Tentar mudar, agir friamente, não ligar, não responder as mensagens. E aqui estamos de novo, chorando dores de velhos e novos amores...
Pelo menos posso citar Caê, um dos poucos gostos em comum, pra afirmar com certeza que para desentristecer, leãozinho, o meu coração tão só, basta eu encontrar você no caminho.
Pela força, pelo riso, pelas lágrimas, pelas noites em claro, pela juventude e velhice que compartilhamos... Por tudo. Meu leão. Forte e nem percebe. Sendo leoa por você aqui, do lado. Tão forte e nem percebo. Eles não nos merecem, leãozinho...

Eu te amo.


Ombro Esquerdo.

Postado por Rhaiza Oliveira , quinta-feira, 13 de setembro de 2012 20:00


Aos dezoito anos, tinha envelhecido. Desde que se entendia por gente o consideravam carrancudo, tímido, com olhar de fome. Isso o fazia parecer mais velho, mas acabado e meio acabrunhado. Não tinha nem trinta anos, mas já teria histórias para ilustrar de guias de viagens a livros vagabundos com posições do kama sutra.
Tinha como extrato uma mistura estranha e sôfrega de cervejas, marlboro light e whisky. Camisas puídas, talvez de aguentarem puxões de brigas em bares ou nos quartos de motel por aí, não tinha certeza. Geralmente não se preocupava em tentar explicar a origem dos seus arranhões, nem dos seus problemas, nem das suas escolhas. Andarilho por natureza, barba, bigode e carranca.

Andava de volta pra casa depois de comprar cigarros e camisinhas. Maldito cigarro de menta. Era o pior pra ele. O efeito de um dos cigarros costumeiros só era alcançado com uns três ou quatro desses de bichinha. Sem contar que não era lá muito ofensivo à garganta. Não sentia aquela dorzinha meio filha da puta da fumaça digerida.
Reclamou do cigarro pela última vez e esvaziou a cabeça. Andou poucos passos e ouviu a voz. Não tinha ideia de onde aquele timbre tinha surgido. Tinha Ficado bêbado e não percebeu? Entonteceu um pouco, examinou a rua. Alguns gatos pingados andavam sem prestar atenção, mulheres de saltos imensos e saias de um palmo. De onde aquilo vinha? Ela cantava algo meio indistinguível, meio cômodo. Sentia-se perturbado e curioso e só queria identificar de onde vinha. Percorreu algumas ruas enquanto a sonoridade aumentava. Um bar de cortinas vermelho carmim, bem surradas, sem placa, sem visão. Assim que agarrou a maçaneta do portão enorme, a música para. Teria de ver quem era agora ou poderia cair em desgraça ali mesmo. Era uma curiosidade estranha, curiosidade de viajante, escritor, virgem, menino.

Cantava. Mesmo que não houvesse mais de três pessoas naquele bar. Sentia-se cansada, tentando prender-se no salto fino, nas meias e no vestido justo vermelho. Não era a coisa mais atraente que tinha vestido desde que tinha conseguido conseguir cantar ali. Mas algo a dizia que hoje deveria ser mais alta em tudo. Voz, sangue, pressão, garganta. Parecia que clamava por alguém, mesmo que a própria não conseguisse dizer quem. Nenhuma daquelas pessoas estava sequer prestando atenção, mas queria salvar-se. De qualquer maneira. Cantava...
Era a preferida. Nina. Não sabia disfarçar muito bem quando cantava uma música que realmente gostava. Abriu o sorriso e os dois botões ao lado do vestido, perto das pernas. Precisava ficar confortável para essa. Até que percebeu alguém aparecer por entre as cortinas do fétido lugar. Se rosto não era muito perceptível pela luz. Só via a silhueta tomar forma na cadeira e pedir alguma bebida enquanto ela começava a entoar a música. ‘Baby, do you understand me now? If sometimes you see I'm mad…’ Queria vê-lo. Não sabia exatamente o porquê daquilo. Sentia aqueles olhos, provavelmente castanhos, como de homem de verdade, fitá-la. Não tinha nada demais. Os cabelos estavam presos num coque mostrando um pouco o pescoço, com alguns cabelos soltos no elástico, batom vermelho, vestido da mesma cor, meias arrastão. Mas não era tão bonita como aquilo tudo, pelo menos não se sentia. Mas... Era diferente. Via mais claramente agora, os olhos, castanhos mesmo, como os seus. Parecia estar sendo fodida ali, no palco, pelos olhos, pela simples presença dele ali. Sentia uma vontade imensa de se tocar pra todo mundo, tirar o vestido, tirar a máscara de elegante e sentar-se no colo dele pra saber se era grande. Horror de se ver assim. Horror de estar tão nua na frente dele.

Ela tinha olhos castanhos. E cantava num inglês perfeito. Parecia que provocava sem saber. Mexia as ancas, fazia pequenos movimentos com a cabeça e o cabelo balançava. Mal havia começado a cantar, mas ele se sentia fisgado. Sentia-se ereto. Estava. Não saberia descrever a vontade que tinha de arrancar seu vestido e suas meias, ali no palco mesmo.  A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos...
Iria até lá. Não pensava mais. Não esquecia a letra, mas esqueceu de si mesma. ‘Don’t you know that no one alive can always be an angel? When everything goes wrong you see some bad…’ Caminhava aos olhos dele. Desprendia-se. O corpo inteiro em frenesi. Mexia as ancas, arrancava aquele olhar para seu corpo inteiro. Deus, como ele a transformara. Estava em transe com a troca de olhares enquanto os corpos se aproximavam. Ele era indescritível, com uma brutalidade natural. Estavam a menos de cinco passos um do outro e a luz estava agora insuportável. Alguém lá de cima estava gostando do que via. E ela tinha certeza.
‘You know sometimes, baby, I'm so carefree, with a joy that's hard to hide…’ A alça do vestido agora se debruçava sobre seu ombro esquerdo. Ele tremia e latejava em várias partes diferentes do corpo. Havia uma força completamente estranha que o mantinha naquela cadeira. A voz, o cheiro, o corpo, as meias... Num gesto completamente abusivo, ele estende o copo de whisky puro para ela e ela recebe. Cantarola mais alguma parte da música e se emudece enquanto toma um gole daquilo. Frágil, fingia não ter sentido a garganta esfolar-se um pouco e voltou ao seu espetáculo, em voz e corpo. ‘Then sometimes, it seems again that all I have is worry, and then you burn to see my other side…’

Tocava o rosto dele com o dedo indicador sem entender direito o porquê. Parecia que se o tocasse completamente derreteria, tinha medo. Ele não parava de encarar, parecendo um pouco sonolento, bêbado ou apenas estafado. O tinha sugado a vida sem sugá-lo? Não tinha ideia do que exatamente fazia, apenas esperava que ele entendesse. ‘But I'm just a soul whose intentions are good. Oh Lord, please don't let me be misunderstood…’
Ele iria explodir se não fizesse alguma coisa, rápido. Enquanto ela se virava para voltar ao seu lugar, ele segurou-lhe pelo vestido, num gesto estranhamente forte. Sentou-a em seu colo, cuidadosamente para não assustar aquela que parecia a mistura perfeita de fêmea e garota. Ela dançava devagar em seu colo, ainda cantando, por mais difícil que fosse. Ela sentia o membro latejar por entre suas coxas. Molhada e com a garganta seca. Não via mais ninguém, apesar do raio de luz de holofote que estava acima dos dois. Implorava silenciosamente com os olhos para que ele a tocasse sem pudor nenhum. Enquanto as mãos dele percorriam o interior das coxas revestidas pelas redes das meias, sentia as penas tremerem e o pé se contorcer por dentro do sapato. ‘Oh baby, I'm just human. Don't you know I have faults like anyone?’

Rasgou-lhe as meias. Queria sentir a umidade e o calor. Usou as unhas e os dedos com tanta força que teve de segurá-la com mais força no colo. Ela ainda cantava, com a voz extremamente rouca e bêbada de querer mais. Sentia as unhas longas e os dedos fortes o segurarem por cima das calças. Com uma mão só, ela o tocava inteiramente, com movimentos circulares milimetricamente sincronizados com o movimento dos quadris. Precisava senti-la por dentro, enfiava os dedos enquanto ela gemia, enquanto ela cantava. Agarrou-a delicadamente pelo coque e aninhou sua cabeça em seu ombro, sincronizando as duas vozes aos dois movimentos, as duas mãos: ‘I try so hard,so don't let me be misunderstood...’

As luzes apagaram em um instante. Ele ouvia risadas vindas de lugares indefinidos. O peso em seu colo se desfez e ele apenas sentia-se leve, no bom e no mau sentido. Viu o corpo miúdo e de meias rasgadas correr até o fundo do palco,talvez com vergonha ou talvez com orgulho. Eles foram o final inesperado daquela noite insone de três bêbados e um garçom. Sentia-se estranhamente vestido, tão contrário da última vez, parecia tão natural estar despido ali...

Esperava por ela fumando um cigarro atrás do outro. O sol quase nascia, quase duas horas de espera ansiosa e de incontáveis cigarros de menta. Ouviu um barulho de passos e alertou-se. Ela preparava-se para ir embora acendendo um marlboro light e tentando ajustar os sapatos baixos nos pés cansados. Arqueou a cabeça e o viu. Envermelhou-se, alargou os passos e andou na direção dele. Tão carrancudo. Num gesto estranho, tornou-se de novo cantora de bar, arrancou aquele maldito cigarro de bicha de sua boca, lhe beijou os lábios rapidamente e sem língua. Em seguida acendeu o cigarro que havia substituído rapidamente entre seus lábios, ágil como felina.

Não perguntariam os nomes um do outro até se sentirem confortáveis. Caminhavam com passos lentos na mesma direção. Olhares trocados rapidamente, pernas tremidas, ereção ainda ali, umidade ainda ali. Deus sabe que canções seriam as de logo mais.

Pro Renan. :)

Cicatriz

Postado por Rhaiza Oliveira , quarta-feira, 5 de setembro de 2012 20:22


As meias três quartos rasgadas eram usadas pela milésima vez ao dia. Ele era realmente um monstro. Corria quase toda semana apressada em alguma loja pra comprar um novo par. Não aguentava tanto dinheiro gasto pra satisfazê-lo.
Incrível como ele ainda tinha cheiro de rosas vermelhas e patchouli. Era dele, sem nenhum perfume. Era a marca que ela mais gostava. Apesar da enorme cicatriz no peito da segunda ponte de safena, ainda era a marca do cheiro que a impressionava. Rasgava-lhe as meias, as blusas, puxava-lhe o cabelo e lhe chamava de cadela. Tinha dono. Nos incontáveis hotéis da cidade, era ela a companhia. Marcada à ferro e fogo pelo membro e pelos tapas daquele senhor.

Enquanto se vestia de meias listradas em preto em branco e fazia a maquiagem no espelho, cantarolava ‘Somewhere Over the Rainbow’, já ensaiando a lolita que encarnaria naquela noite. Dorothy iria encontrar o mágico de Oz pra ser espancada de novo. Por mais brega que fosse,  já sentia a umidade lhe fazer ruborizar.

A calcinha de laços não lhe servia mais. O dinheiro do velho ia todo pra porcaria e pra cigarro. ‘Se eu engordar, volto pra casa mais roxa ainda’, temia. Os gatos escaldados tem medo de água fria, e o jato viria quente, e pela cara toda, era melhor se preparar.
As coxas estavam arranhadas, esmurradas, vermelhas da noite anterior. Desejava-lhe a morte, que o excitasse tanto ao limite de um ataque cardíaco. Mas ele era resistente e de uma virilidade fora do comum. 60 anos tá fazendo semana que vem e ainda a conseguia deixar morta, esfolada e esgotada, dolorida por dias e com cheiro de porra.
O dinheiro é bom. E o cheiro... Porra, o cheiro. Poderia arrancar cada pêlo daquele peito e não conseguiria extrair o perfume.  Difícil mesmo é ainda estar radiante, arrumada e sem poder gemer de dor. 

Via aquelas marcas no espelho e se sentia doente, inebriada e nostálgica. Lembrou-se da vez que rolou da escada aos cinco anos. Joelho ralado, pé torcido e rosto banhado em sangue. O desastre se tornou forma de vida. Chegava em casa, pegava o vibrador e tentava esquecer das marcas. Vela, chicote, vendas, mão livre, marcas de cigarro queimado sobre a pele, socos e empurrões. Satisfazia-se com as lembranças enquanto o troço vibrava, mas na hora era o inferno na terra.
Não sabia mais quanto ganhava por dia, nem se gostava, se detestava, se gozava. Queria que em algum dia, ele a acarinhasse. Mas ele não consegue, abaixa sua calcinha, a cheira, morde, enfia, bate... Ele não conseguia. Ainda morreria num encontro desses. Mas ah, o perfume... Quem será que o marcou tanto assim?